“VOZES DA EMEI Da. ANA ROSA DE ARAÚJO PARA UMA EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA”
2020 / 2021
De autoria dos educadores
Organização:Coordenação Pedagógica
ANTES DA INTRODUÇÃO AO MANUAL ANTIRRACISTA DA EMEI DA.ANA ROSA DE ARAÚJO
CRISTIANE T. MAGEN – Coord. Pedagógica
Para chegarmos até este documento, vale esclarecer alguns aspectos que compuseram este processo. O primeiro deles: o grande objeto compartilhado e explicitado em nosso Projeto Político Pedagógico:
“SOMOS UMA ESCOLA QUE SE PRETENDE INCLUSIVA E ACOLHEDORA EM SEUS VÁRIOS ASPECTOS E PARA TODOS. QUE DESENVOLVA NOS SUJEITOS QUE A COMPÕEM (FAMÍLIAS, COMUNIDADE E FUNCIONÁRIOS) A FORMAÇÃO CIDADÃ PARA ALÉM DOS MUROS DA ESCOLA COM VALORES ÉTICOS E COM RESPONSABILIDADE SOCIAL E AMBIENTAL. “
Esta frase tão ampla tem buscado desde 2018, a construção coletiva dos educadores da escola, ações que concretizem intenções e contribuam com a transformação de sujeitos que desejamos estar crescentemente ativos numa sociedade mais justa e igualitária, onde direitos humanos não sejam só documentos, mas estejam nas casas, escolas, ruas, vidas….
A questão do racismo esteve pontualmente tratada em nossas reflexões e práticas pedagógicas intencionais em anos anteriores e, chegamos em 2020 com o desejo de mudar. Em 2020, vieram também inusitados momentos, em especial o da pandemia pela COVID-19.
E foi com o afastamento social que problemas sociais se evidenciaram mais potentemente na sociedade, onde vivem nossas crianças: a exclusão, a fome, o desemprego, entre outros.
Iniciamos então uma reflexão sobre a “invisibilidade” aparente destes problemas e constatamos o quanto a necropolítica neoliberal tem atualmente ratificado problemas historicamente criados, em especial o do racismo.
As populações preta e indígena são as que mais têm sofrido as consequências de um Estado cujo poder sempre seguiu a lógica eurocêntrica capitalista e de exploração de classes sociais, de culturas e povos, historicamente menos favorecidos.
Como reagir? Como pensar e fazer uma escola permanentemente atenta ao acolhimento e à intervenção junto a crianças e famílias que não MARQUEM e EXCLUAM corpos, vocabulários, costumes, tradições ancestrais, mas que as inclua?
Este profundo processo reflexivo, tem nos tornado sedentos por reflexões e ações… E aqui chegamos. Queremos produzir um “manual”, ou algo que explicite nossa intenção consciente de estarmos vigilantes a uma Educação Antirracista.
Precisamos de todos: professores, pais, gestores, funcionários de empresas terceirizadas, parceiros de projetos e territórios!
Precisamos mudar a história e contribuir para um mundo de fato melhor, com direitos humanos iguais. Mãos à obra!
INTRODUÇÃO
A EMEI Dona Ana Rosa de Araújo apresenta neste documento um registro de propostas antirracistas, o qual traz estratégias que visem o combate ao racismo e proteção de nossas crianças negras e indígenas, além de caminhos de estudos para nossa comunidade escolar.
Vale apresentar alguns aspectos que compuseram este processo, e o grande objeto compartilhado e explicitado em nosso Projeto Político Pedagógico:
“SOMOS UMA ESCOLA QUE SE PRETENDE INCLUSIVA E ACOLHEDORA EM SEUS VÁRIOS ASPECTOS E PARA TODOS, QUE DESENVOLVA NOS SUJEITOS QUE A COMPÕEM (FAMÍLIAS, COMUNIDADE E FUNCIONÁRIOS) A FORMAÇÃO CIDADÃ PARA ALÉM DOS MUROS DA ESCOLA COM VALORES ÉTICOS E COM RESPONSABILIDADE SOCIAL E AMBIENTAL.”
Este projeto tão amplo tem buscado desde 2018, a construção coletiva dos educadores da escola, com ações que concretizem intenções e contribuam com a transformação de sujeitos que desejam estar crescentemente ativos numa sociedade mais justa e igualitária, onde direitos humanos não sejam só documentos, mas estejam nas casas, escolas, ruas, vidas….
Inspiradas inicialmente pela leitura integral da obra “Pequeno Manual Antirracista”, da filósofa e ativista negra Djamila Ribeiro (2019), e consultando autores e documentos como Boaventura Souza Santos, Ailton Krenak, Daniel Munduruku, Kiusam de Oliveira, Silvio Almeida, Kabengele Munanga, o Currículo da Cidade e o Currículo da Cidade Povos Indígenas, a parceria com a Biblioteca Raul Bopp no Projeto “Mulheres Negras na Biblioteca”eapós várias reuniões entre as professoras e a coordenadora pedagógica de nossa escola, surgiu no grupo a vontade, a necessidade, de criar um documento que levasse a todas as pessoas dessa comunidade escolar caminhos para reflexão e práticas diárias antirracistas. Neste sentido, as discussões coletivas nos trouxeram a auto avaliação necessária sobre nosso papel efetivo para uma escola antirracista e orgulhosa de que todas as nossas crianças tenham sua autoestima preservada.
Em uma sociedade norteada pelo preconceito, a escola encontra-se desafiada a trabalhar com a proposta de Educação Integral. De acordo com o Currículo da Cidade, que orienta o trabalho nas escolas do Município de São Paulo, a Educação Integral é entendida como aquela que promove o desenvolvimento dos estudantes em todas as suas dimensões (intelectual, física, social, emocional e cultural) e a sua formação como sujeito de direitos e deveres. Trata-se de uma abordagem pedagógica voltada a desenvolver todo o potencial dos estudantes e prepará-los para se realizarem como pessoas e cidadãos comprometidos com o seu próprio bem-estar, com a humanidade e com o planeta.
Diante do cenário de frequentes manifestações contra a violência e o racismo que tem sido praticado contra os corpos negros e indígenas, que diuturnamente são divulgados pelas mídias, e com o fortalecimento dos movimentos ativistas em defesa desses povos no ano de 2020, evidenciou-se a necessidade de colocar em pauta a discussão do racismo. O combate é uma urgência mundial.
Aliás, já passou da hora!
Mediante a observância da lei na Constituição Federal de 1988 que determina, no Art. 3º, inciso XLI, que “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. E ainda em seu Art. 205, coloca a educação como espaço privilegiado de promoção para a cidadania (BRASIL, 1988), que por meio de situações compartilhadas possibilitam à pessoa o exercício de viver em sociedade.
A escola é um dos espaços mais determinantes de formação de uma criança. É na escola que convive com iguais e diferentes, cria laços afetivos e vivencia a diversidade de tudo.
Em 2003 e depois em 2008, as alterações na Lei de Diretrizes Curriculares Nacionais – LDB, valorizaram o ensino das histórias e culturas africanas, indígenas, afro-brasileiras, bem como a do imigrante, e qualquer grupo de minoria, tendo como embasamento as Leis nº 10.639/ 2003 e a Lei nº 11.645/2008, que estabelecem essa obrigatoriedade (BRASIL, 2008).
Tais alterações na LDB trouxeram reflexões e avanços, mas lamentamos por não serem integralmente cumpridas em nosso país, mesmo após dezessete anos de sua primeira alteração. Esta lei especificamente não menciona diretamente a educação infantil, mas sabemos a importância de se iniciar o trabalho nesta etapa da vida das crianças, temos que ter o bom senso de abordar o assunto no mundo infantil com respeito e carinho.
Entendemos que o espaço escolar seja o espaço privilegiado para prevenção e combate do preconceito e pela valorização da pluralidade étnica, pois é na escola que a criança aprenderá a conviver com pessoas que não são do seu núcleo familiar. Onde começará a partilhar uma vida comum com diferentes grupos sociais. A experiência na escola deixa marcas, elas podem ser muito positivas ou muito negativas. A escola não pode se eximir da sua função social. É necessário potencializar os recursos culturais de todas as crianças reconhecendo suas capacidades críticas e criadoras.
Leis são escritas para que se garantam o exercício da cidadania de maneira integral e igualitária para todos. É de extrema importância e é fruto da luta e (re) existência dos Movimentos Negro, Indígenas e da sociedade brasileira.
E foi nesse ano de 2020, com o afastamento social devido à pandemia, que problemas econômicos, sociais e políticos se evidenciaram mais potentemente em nosso país: a precariedade da saúde pública e da educação, a exclusão, a fome, o desemprego, entre outros.
Iniciamos então, uma reflexão sobre a “invisibilidade” aparente destes problemas e constatamos o quanto a necropolítica neoliberal tem atualmente ratificado problemas historicamente criados, em especial o do racismo.
As populações preta e indígenas são as que mais têm sofrido as consequências de um Estado cujo poder sempre seguiu a lógica eurocêntrica capitalista e de exploração de classes sociais, de culturas e povos, historicamente menos favorecidos.
Somos todos diferentes. Parece óbvio e redundante usar esta máxima, mas na prática basta pararmos para analisar a sociedade em que vivemos (na mídia, na política, no sistema econômico, na educação, etc.) na qual persiste o Racismo Estrutural no Brasil, onde a aparência e o fenótipo interferem nas trajetórias individuais e perpetuam a desigualdade de oportunidades.
Esse Racismo Estrutural passou a reverberar nas instituições públicas e privadas, no Estado e nas leis, que reforçam a exclusão da população negra e indígena, na ausência de políticas públicas que promovam qualidade de vida a essa população.
Ignorar essa desigualdade nos faz acreditar no mito da Democracia Racial e desmerece a luta pelo reconhecimento da contribuição histórica dos povos africanos e povos originários para a história brasileira.
Enquanto sociedade, contribuímos para a perpetuação de uma cultura racista no Brasil, país que foi o último da América a assinar um documento que pretendia extinguir a escravidão, após mais de trezentos anos, fazendo uso como dono e senhor da força de trabalho da negritude na produção de bens para seus senhores. O ataque aos negros surgiu da desvalorização de suas grandezas, suas potencialidades e seus predicados foram tratados como mazelas. Praticamente uma propaganda política e social muito bem elaborada, preservada e propagada durante anos, centrada em interesses desumanos e antiéticos. Tudo realizado através da visão eurocêntrica de mundo, a qual se perpetuou ao longo dos tempos juntamente ao etnocentrismo. Que essas ideias sejam desvalidas em sua totalidade e tudo mais que possa ter sido inventado por estes prismas para reduzir a condição humana do negro.
Hoje, nos deparamos com a necessidade de descolonizar o pensamento e romper com os paradigmas ultrapassados que considera a história de um para produzir o apagamento de outras histórias.
Conforme a citação do artigo “O Racismo Contra os Povos Indígenas da Revista Direito e Práxis”: “A historiografia tradicional pouca atenção deu ao protagonismo da resistência indígena à colonização, e as abordagens da “transição” da escravidão indígena para a negra não apenas reforçaram a narrativa da extinção – que coloca os indígenas num lugar pertencente ao passado, como também serviram para desconsiderar o violento sistema de exploração da força de trabalho, a espoliação e o genocídio que permanecem desde o primórdio da colonização até os dias atuais.”
Não se trata apenas de incluir a pauta, mas de dar visibilidade e devolver o devido direito ao qual as pessoasnegras e indígenas têm à sua história, a se verem bem representadas nosespaços sociais, o direito à vida e de vivê-la sem o medo da certeza de que sua origem é motivo para qualificá-la como inferior ou suspeita. Trata-se de reconectar as pessoas à própria origem, possibilitando a valorização de toda uma rica cultura que foi estigmatizada ao longo de mais de trezentos anos em nosso país.
Podemos concluir então, que o racismo estrutural e o racismo institucional estão imbricados. Diante desse conhecimento cabe a nós enquanto escola e sociedade desfazer esse emaranhado nefasto a negros, indígenas e a toda sociedade brasileira.
Buscamos encontrar respostas para uma nova ética profissional, que saia do lugar comum e se mostre para além da defesa de um discurso diferente da postura, que se faça presente na ação, rompendo com o ‘pacto narcísico da branquitude’, como afirma a doutora CidaBento (2002) em sua tese de doutorado, por meio de ações afirmativas e cotidianas.
O estreitamento proporcionado entre o que “conhecemos” e o que estamos tendo a oportunidade de conhecer, sobre a luta antirracista, nos propicia enxergar nossa ética. A qual, segundo, Mário Sérgio Cortella (2009) “…é aquela perspectiva para olharmos os nossos princípios e os nossos valores para existirmos juntos… Portanto, ética é o que faz a fronteira entre o que a natureza manda e o que nós decidimos.”
A emblemática frase do livro originalmente publicado em 1981, “Mulheres, Raça e Classe”, de Angela Davis (2016): “Não basta não ser racista, temos de ser antirracistas!”, nos provocou a revermos nossas práticas e posicionamentos, não apenas em âmbito individual mas principalmente como sujeitos EDUCADORES que têm em mãos a poderosa ferramenta de corroborar ou não para a manutenção do racismo estrutural.
Acreditamos que esta luta começa com a identificação de racismos presentes em todos nós, adultos, com necessidade de autorreflexão e vigília constante de nossas ações, falas e gestos. E é preciso lembrar que, embora nem sempre pensemos nisso, há racismo e perpetuação de dor inclusive em falas e atitudes infantis, as quais precisam ser trazidas para a nossa atenção. Trata-se de uma responsabilidade não somente por sermos educadores, mas seres humanos conscientes da defesa primordial da vida e da igualdade de direitos de todos e todas. Devemos também levar ao para nosso cotidiano fora da escola, com nossos familiares e amigos. A transformação deve partir de cada um de nós para que possamos servir de exemplo aos que nos cercam.
Que nossas falas sejam responsáveis pelos sentimentos que despertam nas pessoas de nosso convívio. Que as presentes letras se façam exemplos em nossa convivência na busca do respeito entre as diversidades e adversidades das vidas.
Quanto tempo mais precisamos para enxergar os privilégios da branquitude e o quanto eles retiram das pessoas negras e indígenas a possibilidade de atingir a igualdade de direitos tão bradada pela lei?
Faz-se necessário construir uma atitude antirracista e, isso só é possível quando nos reconhecermos como parte do problema e conseguirmos identificar os nossos privilégios, assumindo a nossa responsabilidade histórica e nos tornando agentes de transformação em busca de uma sociedade mais justa e igualitária, que possa oferecer as mesmas oportunidades a todos. Propomos o comprometimento da revisão de conceitos históricos e etimológicos, de estratégias de comunicação, com o planejamento de práticas que favoreçam a implementação de ações e políticas afirmativas que valorizem todas as pessoas, para que ninguém se sinta discriminado em nosso convívio.
Acreditamos que este documento possa nos auxiliar nessa prática diária e cotidiana chamando nossa atenção para os pequenos e para os grandes erros que ainda estamos cometendo e assim caminhar para uma verdadeira concepção inclusiva e antirracista em nossa escola.
Que nele possamos encontrar protocolos e novos modos de afirmar nossa prática pedagógica e antirracista através do vocabulário, leituras, vivências, práticas pedagógicas e convívio social, dentro e para além dos muros da escola, afastar de nossas crianças tantas vivências cruéis que as gerações passadas trazem da instituição e da vida escolar. Encontrar assim meios de nos fortalecermos contra a política de exceção, presente dentro de uma sociedade neoliberal e dentro de nós, num contínuo exercício de reflexão e ressignificação de nossas ações.
Precisamos de todos: professores, pais, gestores, funcionários de empresas terceirizadas, parceiros de projetos e territórios!
Mudanças e transformações para uma escola de todos e para todos, com diferentes etnias e culturas e com direitos iguais de expressão e valorização.
Mudar a história e contribuir para um mundo de fato melhor, com direitos humanos iguais, é urgente. Mãos à obra!
Sobre o Espaço– Estudos para uma educação antirracista.
Qual o lugar que o negro e os povos indígenas ocupam em nossa sociedade brasileira? A eles qual espaço é reservado nesse contexto?
Nosso passado não é muito animador sob a ótica dos povos negros e indígenas. Desde as invasões dos europeus em território hoje considerado brasileiro foi-se colocado em prática um plano de dominação que segregou os indivíduos e posicionou o povo branco num lugar de superioridade em relação a outros povos. Aos indígenas foi atrelada a condição de seres sem alma, sub-humanos, não civilizados que necessitavam ser conduzidos, condicionados para o trabalho, para a religião europeia, e aculturados.
Já os povos negros trazidos para cá por meio do uso da força no período denominado Escravidão também sofreram devido ao pensamento da hierarquização entre pessoas, consequentemente, entre culturas e subjetividades. A eles foi reservado o lugar mais baixo em todos os aspectos da vida humana.
Essa estratégia de dominação sempre encontrou resistências, como as fugas dos escravizados, formações quilombolas, levantes, entre outros. Porém ainda podemos observar uma forte influência desse passado triste nos dias atuais, nos desdobramentos da cultura do nosso país, no comportamento e nas falas dos brasileiros, na institucionalização do racismo, e consequente normalização do inaceitável.
As diferenças sociais são nítidas, além do aspecto econômico, no qual pessoas pretas, pardas, indígenas são maioria entre as que possuem rendimentos mais baixos, a persistência de situações de maior vulnerabilidade indicada por evidências nos campos da educação, saúde, moradia, entre outros, mostram o desequilibrio
No Brasil, ser negro e indígena significa ser mais pobre do que o branco, ter menos escolaridade, receber salário menor, ser mais rejeitado pelo mercado de trabalho, ter menos oportunidades de ascensão profissional e social, dificilmente chegar à cúpula do poder público e aos postos de comando da iniciativa privada, ter pouca ou nenhuma representatividade em diversos setores da sociedade, estar entre os principais ocupantes dos subempregos, ter menos acesso aos serviços de saúde, ser vítima preferencial da violência urbana, no caso dos negros, ter mais chances de ir para a prisão, morrer mais cedo.
Para enfrentar essa dura realidade, ao longo da história, pessoas negras e indígenas organizaram movimentos de resistência e luta contra os absurdos a que são expostos por causa de sua origem e sua ancestralidade. Esses culminaram em ações afirmativas visando o bem estar, as igualdades de oportunidades e o reparo social possível para os descendentes desses povos. Movimentos esses ainda hoje atuais que cobram dos governos as atitudes necessárias para diminuir o abismo social entre brancos, negros e indígenas.
Essa luta se fez necessária para que hoje todos possam entender que uma sociedade que hierarquiza pessoas tende a ruir, e que, mesmo que não fosse a maior parte da população de nosso país, deve-se haver pessoas negras e indígenas nos espaços de poder e decisão, nos espaços de educar e aprender e nos espaços de ser para demonstrarem o quanto o racismo afeta, adoece, mata e limita toda essa população que sofre há décadas. E não apenas, como também para representar a diversidade e riqueza cultural desses povos, para valorizar suas potências, dar espaço para suas habilidades, voz e escuta para suas falas e subjetividades.
Se realmente queremos construir uma sociedade igualitária, é necessário compreender qual o papel que cada estrutura socioeconômica desempenha na reprodução do racismo, a fim de desenhar estratégias eficazes para o seu enfretamento. Isso se dá por meio de estudos feitos por teóricos engajados no movimento negro e indígena, da abertura para que esses povos possam se posicionar afirmativamente diante da sociedade, representando bem seus pares. Na Educação, o combate à desigualdade racial é essencial enquanto elemento indispensável para qualquer mudança, de modo que sem uma educação antirracista não é possível pensar em uma sociedade igualitária.
Fontes:
https://observatoriodeeducacao.institutounibanco.org.br/em-debate/desigualdade-racial-na-educacao
Sobre as expressões racistas
O que são “expressões”? São termos, gestos, falas ou frases que utilizamos no dia a dia, que fazem parte do nosso vocabulário, mas muitas vezes, sem o real conhecimento do que significam. Na abordagem deste texto, refletiremos sobre nossa linguagem no contexto do racismo, que aparece muitas vezes sem a devida reflexão e a percepção do quanto estas falas têm peso. É importante nos atentarmos a esta questão para assim, mudarmos nosso vocabulário por meio das informações apontadas no “Vozes da EMEI Dona Ana Rosa de Araújo”.
Historicamente, as etnias silenciadas (povos indígenas originários e povos africanos, aqui escravizados) têm sofrido violentos processos de discriminação e exclusão que atravessam as gerações e que estão atreladas a um sistema de colonização que buscou aniquilar referências positivas desses povos.
A sociedade brasileira se articula desde o período colonial, de maneira orgânica, para criar estratégias de adoecimento físico e psicológico nas populações negras e indígenas, por meio da coerção, persuasão, “piadas”, frases, ditados, verbetes, imagens divulgadas por todos os meios de comunicação, que apresentam a África e os territórios indígenas, como retrato da fome, da miséria e de doenças, desvalorizando a cultura e os saberes desses povos, permitindo assim, que a violência e o racismo se estruturem nas expressões cotidianas e nutrindo o imaginário social com o único intuito de destituir estas etnias de sua humanidade.
Estas expressões, nutrem historicamente tão bem o imaginário social, que “naturalizam” o preconceito racial, reforçando os privilégios da branquitude e colocando as demais etnias em espaço de exclusão e de inferiorização social, promovendo o atraso de uma sociedade que é formada por maioria de população negra e indígena. Então, estamos desvalorizando o outro e a beleza da diversidade? Ou a nós mesmos? De quem é esta causa? Com certeza, esta causa é nossa!
Esta injustiça, só será sanada, quando houver busca de informações históricas reais e o apoio às políticas educacionais afirmativas forem realidade, quando as manifestações culturais e religiosas dos povos outrora escravizados, forem respeitadas e valorizadas, quando as dores alheias não forem desmerecidas, quando o acesso à educação e saúde forem igualitários, quando houver indignação e ação, inclusive legal, diante de uma atitude racista, e, principalmente quando a luta antirracista seja vista como um dever de todos.
O preconceito explicitado nas expressões é uma marca, uma mácula. Queremos mudar nosso olhar e atitudes, nos expressando na perspectiva do respeito e da valorização das culturas africanas e indígenas, potencializando-as em nossa identidade de povo brasileiro.
Quem realmente quer ser antirracista, tem que reconhecer que o racismo existe e que se faz necessário conhecer a história verdadeira, relatada por todos os sujeitos envolvidos nela. A empatia é uma aliada importante nesta batalha.
Palavras dizem muito sobre a história e a cultura de uma sociedade. Quando expressões racistas, como “mulata” ou “a coisa tá preta” e ainda, “o índio é preguiçoso”, se tornam naturais, é indício do quanto a opressão e o preconceito estão incorporados à visão de mundo das pessoas.
Entre sutilezas, brincadeiras e aparentes elogios, a violência simbólica se amplia quando expressões são repetidas. Estamos há mais de cem anos da data da abolição da escravatura declarada, mas não efetivada pelos colonizadores. A inferiorização e a marginalização dos povos africanos e indígenas ainda continua, pois são excluídos do processo de desenvolvimento social do país.
Repetimos termos aleatoriamente sem nos importarmos com o real sentido daquilo que dizemos. Quando naturalizamos essas falas, mostramos nitidamente a opressão e o racismo impregnados à nossa visão de mundo.
A violência simbólica em vários termos, deve ser percebida primeiramente dentro de nós e dos nossos atos. Banir estas e tantas outras falas e não as reproduzir é importante, mas não é a única maneira de erradicar este mal que nos acomete enquanto humanidade. Dizer, por exemplo, que “a coisa está preta”, significando um momento negativo, pode ser substituído por: “a situação está muito difícil”. Assim como, dizer “índio”, tem conotação genérica; devemos dizer “indígena” para pessoas dos povos originários, para valorizar e potencializar sua cultura e identidades.
Não haverá ambiente para a conquista da justiça social, enquanto o racismo não for definitivamente vencido. Vidas negras e indígenas, importam sim !!!
É preciso usar o poder da linguagem não racista, para o resgate da autoestima das pessoas e para a potencialização das diferentes vozes, considerando todas as pessoas como cidadãos de direitos. Já passou da hora de revermos nossas formas de falar e tratar as pessoas, sem que suas características físicas sejam a primeira, e muitas vezes a única maneira de nos referirmos a elas, como quando destacamos características dos cabelos, com adjetivos não apreciados (“ruim”, “duro”). Cabelos crespos têm beleza, são “coroas” naturais. Não lembra o nome da pessoa, ou não sabe? Pergunte! Não sabe usar a palavra certa? Não fale!
Quantos de nós já ouvimos expressões racistas ditas por pessoas queridas? Quantos de nós não falou uma, algumas, ou todas elas? Quem de nós pode dizer que não é, ou nunca foi racista de maneira alguma?
Segundo Daniel Munduruku (filósofo, doutor em Educação, escritor e líder indígena), “as palavras têm um enorme poder de moldar as mentes das pessoas. Elas servem pra elevar, dignificar, ao mesmo tempo que podem detonar, humilhar e desqualificar pessoas, povos e civilizações”. Quando usamos a nossa consciência, nos educamos a utilizar o aprendido nas nossas relações sociais de forma mais acolhedora.
A discriminação e o preconceito, se revelam e se manifestam desde cedo, podendo inclusive gerar bulliyng. A questão que não quer calar é: Como reconhecê-los no ambiente escolar em suas diversas formas de manifestação? Quais são as consequências psicológicas e comportamentais para as vítimas?
Quanto às crianças, o prejuízo é muito grande no processo escolar, na socialização e na sua identidade, levando-as a uma imagem inferior e negativa. A escola como instituição social é um espaço que agrega múltiplas relações, tem por obrigação estar sempre atenta as possíveis desigualdades, ofensas, comparações e conflitos.
A infância é a fase fundamental na estruturação da personalidade humana. Na sociedade, na família e na escola as ideias racistas circulam livremente e é assim que a criança aprende desde cedo a internalizar e externar uma imagem estereotipada do negro e do indígena.
Quando a noção de igualdade e respeito está evidente para o adulto, isso é percebido pelas crianças que absorvem e incorporam os bons exemplos intencionados pelos adultos.
É preciso nos colocarmos no lugar do outro na tentativa de melhor compreender o tamanho do efeito negativo que pode gerar prejuízos por toda uma vida. A vigília precisa ser permanente… Vigília pelo que digo, falo e escuto!!! Compreender o que faz de uma expressão, um luto, e não reproduzir palavras que possam ferir os corpos e as almas, necessita ser a nossa luta.
Estaremos em constante formação, tomada de consciência sobre tudo que nos cerca, que nos diz respeito e o que diz respeito ao outro e às práticas educativas. Enquanto educadoras, esse processo deve ser intencional, permanente e baseado em estudo crítico e científico.
Será necessário identificar nos próprios gestos, palavras e ações (expressões externas) e no de outros, de maneira colaborativa e solidária, reconhecendo que neste processo possam haver falhas nas expressões, mas devemos estar muito atentos às sutilezas, brincadeiras e aparentes elogios, pois a violência simbólica se amplia quando expressões racistas são ditas e o que chama mais atenção neste aspecto do racismo é que ele vem verbalizado! É a “tradução do silêncio”.
O aprofundamento nos estudos muito nos tem revelado, com reflexões e mudanças interiores como indivíduos, assim tornando-nos mais atentos para um novo olhar, com lentes mais sensíveis sobre o racismo, muitas vezes sutil e enraizado, não permitindo que expressões desqualifiquem povos e suas culturas.
Se a melhor maneira de combater o racismo, segundo a própria Djamila Ribeiro (mestre em Filosofia política, acadêmica, escritora e ativista do movimento feminista negro), é reconhecendo-o, então qual o papel da escola frente a essa naturalização das expressões racistas?
Precisamos pensar em uma educação antirracista de modo que haja uma reflexão constante e profunda sobre a mensagem que estas expressões passam, e, a partir da conscientização, chegar a uma compreensão do que significa pronunciá-las e desta forma escolher não mais utilizá-las.
A escola, como espaço de vida, de convivência, é também o espaço ideal para a construção de uma forma respeitosa de comunicação entre as pessoas. A participação dos professores, com intencionalidade de romper com expressões racistas, será fundamental para a valorização de todas as crianças, no processo de mudanças das relações sociais.
Falar sobre racismo é se conscientizar que desde crianças precisamos aprender sobre igualdade étnico racial e, acima de tudo respeitar o outro. Isto ajuda a perceber que, acima de qualquer tom de pele, somos seres humanos com sentimentos e estamos em constante processo de aprendizagem.
Rumo à luta antirracista com responsabilidade e coragem, contribuindo para romper com práticas do uso de expressões racistas!
Literatura infantil indígena, afro e afrodescendente: para divertir, conhecer, se reconhecer
Muito antes da conquista da leitura e da escrita, a literatura infantil está presente no cotidiano das nossas crianças. Seja na escola ou no ambiente familiar, reinados, príncipes e princesas fazem parte do imaginário dos pequenos desde a mais tenra idade, trazendo, em sua maioria, narrativas e ilustrações de cenários encantadores, ricos vestidos e padrões de beleza eurocentrados.
Crescemos ouvindo esses clássicos, que, por muitos e muitos anos foram referência para muitas gerações. Quem nunca sonhou ter os cabelos lisos e compridos como os da Rapunzel? A pele branca como a neve da Branca de Neve? Ou ainda ser o príncipe loiro de olhos azuis que salva as princesas em perigo?
Em nossas leituras podemos oferecer escritores nativos quais têm em seu corpo a marca de sua história ou apenas clássicos contos de fadas também importantes, mas não únicas fontes nesta oferta?
A questão não é retirar das escolas essas histórias clássicas, mas sim, fazer chegar às crianças diferentes narrativas que apresentem a elas a diversidade, que promovam o reconhecimento através de diferentes personagens, que mostram outros modos de vida e de cultura.
Queremos nesse documento, afirmar nossa intenção em apresentar as crianças da EMEI Dona Ana Rosa de Araújo, uma Literatura Infantil, poderosa para a construção de uma Educação Antirracista. Daremos visibilidade aos povos indígenas, aos povos africanos e afrodescendentes, que há muito tempo ficaram apagados na nossa história. E esse trabalho será realizado não de forma romântica e nem folclórica. Será desenvolvido com bases sólidas, resultado de pesquisas, estudos, ao combate ao racismo estrutural presente em nossa cultura.
Neste capítulo vamos desenvolver sobre a literatura infantil afro, afrodescendente e indígena. Durante nossos estudos nos conscientizamos que ela não deveria ser escrita por qualquer pessoa, principalmente pela ausência de vivência real e pessoal que subjetivamente carrega na história escrita.
Por tempos somente nos apresentaram histórias europeias desenhadas a partir de um “único” estereótipo, gerando assim um sério problema de identificação pois, ao não se reconhecer, a criança passa a querer se encaixar esteticamente dentro dos modelos apresentados.
O que ler, contar para este público tão especial e em formação? De que forma, como formadoras, podemos contribuir para o desenvolvimento destas crianças, independentemente de sua origem? Ler histórias infantis desperta o imaginário delas e devemos não incorrer no perigo da visão eurocentrista, da história única, do apagamento de suas origens e costumes.
Em busca de uma Educação Infantil de qualidade social para todos, dentro da perspectiva do acolher, educar e cuidar, o grande desafio é realmente enxergar a criança como símbolo do futuro e semear no terreno fértil de suas imaginações histórias que contemplem a sua cultura de origem, valorizando nas crianças, a construção de sua identidade pessoal, partindo da memória e das tradições dos povos indígenas que já habitavam a Terra de Santa Cruz e também os povos vindos do continente africano, que formaram a população brasileira e que hoje constituem a maioria dos brasileiros que habitam esta nação tão rica em diversidade.
A criança se reconhece nos personagens que para elas apresentamos?
Buscamos livros com identidades diversas dos povos que constituem nosso país?
Refletimos e sugerimos a aquisição dos livros de nossa biblioteca ou somente recebemos o que nos chega?
As Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que tornaram obrigatório o estudo de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena nos ensinos fundamental e médio nas escolas públicas e particulares brasileiras, tem por objetivo promover uma educação descolonizadora e emancipatória, a qual a criança possa reconhecer-se nas narrativas literárias. A escuta atenta, o diálogo nas rodas de leitura, estará fortalecido quando buscamos autores que considerem a potência do pensamento infantil, fortalecendo vínculos e o reconhecimento de pertencimento dos estudantes ao cenário destas leituras.
Durante nossos estudos em grupo e individuais ficou evidente que estas histórias infantis quando escritas por autores negros e indígenas são contextualizadas adequadamente para as crianças. Estes autores não colocam o negro e ou indígena em posição de inferioridade, eles enaltecem suas culturas e costumes que foram apagados durante séculos de colonização europeia.
Hoje podemos contar com um “pequeno” acervo desta literatura por sua divulgação através de mídias sociais como Instagram, Facebook e YouTube.
Observando estas mídias, elas também nos ensinam como contar as histórias, como aguçar a curiosidade das crianças. Este fato motivou muitas de nós a modificar também nosso modo de contar histórias.
A função da Educação Infantil é possibilitar a interação e a convivência, aprendendo a respeitar, acolher e celebrar as diversidades, ver o mundo a partir do olhar do outro e compreender outras realidades sociais. Isto permite à criança se apropriar de formas cognitivas de pensar e agir.
Para essa finalidade, escolhemos uma Literatura Infantil escrita pelos próprios protagonistas, escritores indígenas e afros, potencializando suas identidades e ancestralidades, que tem muita haver com cada um de nós. Essas histórias encantarão as crianças e lhes proporcionar experiências incríveis durante a narrativa, pois elas abrem um canal de comunicação direta com a memória e com a alma das crianças fazendo com que elas conversem com seu eu interior.
Qual é a voz de um livro quando fazemos uma leitura para nossas crianças?
Que as vozes dos livros lidos em nossa escola sejam de aconchego, acolhimento e descoberta para nossas crianças fazendo-as se perceberem protagonistas reconhecidas em nossas histórias.
Que cada livro lido desperte na criança sua curiosidade pelo mundo do outro e também faça o encanto de seu mundo próprio.
Possamos pela leitura infantil proporcionar o retrato de todos e cada um de nossos estudantes, por meio da prática constante de livros quais aproximem as histórias das suas vidas, para que o presente sujeito de direito, hoje criança, perceba-se já neste momento representado.
Ao caminhar rumo a uma sociedade que respeite a pluralidade étnica e cultural do nosso país é essencial repensar, reconstruir olhares e oferecer troca de saberes, que motive a todos a terem uma mentalidade antirracista. Nada melhor como fazer por meio do encantamento que a literatura infantil faz em todos nós.
Indicações para Literatura Infantil Indígena
Andthichy Patachó e outros professores Patachós
Livro: O Povo Patachó e suas Histórias
Cristino Wapichana
Livros:
A onça e o fogo
A Oncinha Lili
Daniel Munduruku
Livros:
Caçadores de Aventuras
Coisas de Índio: Versão infantil
Histórias de Índio
Kabá Darebu
O Segredo da Chuva
Sumiço da Noite
Um dia na Aldeia
Eliane Potiguara
Livro: O pássaro Encantado
Elias Yaguakãg
Livros:
Aventuras do menino Kaw
Historinhas Marupiaras
Ely Macuxi
Livro: Ikaty: O Curumim da Selva
Kaká Werá Jecupé
Livro: As Fábulosas Fábulas de Iauaretê
Mirim Werá Jeguaka
Livro: Kunumi Guarani
Nhandekuery Mbya Rekoa
Livro: Aldeias Guarani Mbya na Cidade de São Paulo
Olívio Jerupe
Livros:
O Presente de Jaxy Jaterê
Tekoa: Conhecendo uma Aldeia Indígena. Coleção Muiraquitãs.
Tiago Hakiy
Livros:
A Pescaria do Curumim e outros poemas indígenas
Awyató-Pót: Histórias indígenas para crianças
Curumim
Guaynê Derrota a cobra grande
Noçoquém: A Floresta Encantada
Noite e Dia na Aldeia.
Yaguarê Yamã
Livros:
Falando Tupi
Contos da Floresta
Meu Pai Ag´Wã: Lembranças da Casa de Conselho
Pequenas Guerreiras
Um Curumim, uma canoa
Indicações para Literatura Infantil Afro brasileira
Carmem Lucia Campos
Livros:
A bisa fala cada coisa
Meu avô Africano
Não tem dois iguais
Por que somos de cores diferentes?
Um é pouco?
Davi Nunes
Livro: Bucala. A pequena princesa do Quilombo do Cábula
Edimilson de Almeida Pereira
Livro: Os reizinhos do Congo
Elisa Lucinda
Livros:
A menina transparente
Lili, a rainha das escolhas
O menino inesperado
Emicida
Livro: Amoras
Fábio Simões
Livro: Olelê. Uma cantiga da África
Heloisa Pires Lima
Livros:
Lendas da África Moderna
O Marimbondo do Quilombo
Junião
Livro: Meu pai vai me buscar na escola
Kiusam de Oliveira
Livros:
O Black Power de Akim
O Mar que banha a ilha de Goré
O Mundo no Black Power de Tayó
Omo-oba: Histórias de Princesas
Lázaro Ramos
Livros:
A velha sentada
Caderno de Rimas do João
Sinto o que sinto E a Incrível História de Asta e Jaser
Madu Costa
Livros:
Meninas Negras
Koumba e o tambor Diambê
Maria Celestina Fernandes
Livros:
Os dois Amigos
Kalimba
Kambas para sempre
Neusa Baptista Pinto
Livros:
Bia, Tatá, Ritinha: Cabelo ruim? Como assim?
Cabelo ruim?
Otávio Júnior
Livro: Da Minha Janela
Rodrigo França
Livro: O Pequeno Príncipe Preto
Silvio Costa
Livro: Abecedário Afro de Poesia
Sonia Rosa
Livros:
Como é bonito o pé do Igor
Fuzarca
Lindara
O Menino Nito
Os Tesouros de Monifa
Ações para uma educação antirracista no ambiente escolar
“eu preciso do outro para ensinar, para encantar,
para ser colocado no seu caminho, que é também o meu caminho”.
Vanda Machado
A problemática do racismo no Brasil nos impõe a necessidade de análise e de reestruturação do currículo existente nas unidades escolares, e pensando sobre isso também em nosso microcosmo, enquanto escola numa cidade metropolitana, é que vamos repensar o nosso currículo, uma vez que esse processo de descolonização deve refletir as nossas ações e práticas pedagógicas cotidianas. A temática antirracista deve fazer parte de modo orgânico quando se pensa na elaboração dos documentos que regem a educação tanto pedagógica quanto institucionalmente.
Neste aspecto, outro desafio que se apresenta a nós professoras e aos gestores educacionais é reconhecer a importância dos movimentos sociais e das políticas afirmativas no que tange à educação e o impacto nas práticas cotidianas educativas desenvolvidas no espaço escolar, a fim de que se possa obter de fato uma educação antirracista para pensar e propor ações de formação politicamente comprometidas com a prática, com a superação das desigualdades raciais entre as nossas crianças e que estas se mostrem potencialmente capazes de se impor diante à imposição de representações e produções eurocêntricas amplamente disseminadas em nosso meio social e pedagógico.
Atuarmos como professoras da educação municipal da EMEI Dona Ana Rosa de Araújo exige sobriedade para acolher as questões e conflitos raciais que venham a surgir e construir com as crianças ações positivas que possam extinguir o que foi deixado pelo racismo estrutural e institucional e que ainda reverbera nos conteúdos curriculares da educação infantil, em especial a nossa instituição.
É fato que as ações afirmativas aparecem nos diversos documentos que regem a educação infantil paulistana e nas propostas de orientação curricular publicadas pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, mas ainda há muito a avançar para que os desdobramentos destas ações sejam realmente praticadas dentro das instituições, uma vez que o corpo docente precisa conhecer, refletir e reescrever seu próprio currículo baseado não só na sua realidade mediante os conflitos que se apresentam, mas também no propósito de desvelar e contar uma história numa cosmovisão africana tendo como inspiração a ancestralidade e o encantamento pautados numa ética libertária.
A lacuna existente entre o que nos expressa o currículo e nossa ação com as crianças aponta para a precariedade de ações que aprofundem a temática das manifestações indígenas e afro-brasileiras. À medida em que os conflitos emergem em situações tanto com as crianças quanto entre adultos que fazem parte da comunidade escolar devem ser acolhidos, discutidos de modo a não serem silenciados ou esquecidos, o currículo deve ser, portanto, contestado e revisitado durante todo o tempo, adaptando-se às novas demandas que porventura surgirem.
Para ancorar as ações pedagógicas é necessário pensamento crítico-reflexivo com embasamentos teóricos a fim de favorecer a construção de saberes mais complexos que contribuam para o fortalecimento da autoestima das crianças e da comunidade escolar com relação a sua identidade étnico-racial. É imprescindível ter um repertório de teóricos na temática, para que não haja justificativa para o silenciamento das profissionais frente aos conflitos em relação às questões raciais.
Nessa perspectiva precisamos repensar também a representatividade nos espaços que constituem a EMEI e compreender a importância da ressignificação e ações políticas no conceito de raça. A escola que não reflete sobre seus espaços acaba por perpetuar as práticas racistas propagando apenas a epistemologia do colonizador, desconsiderando assim a história de vida e os saberes que trazem as crianças, pois não faz sentido permanecer em um espaço que nega a sua existência e minimiza a modelos estereotipados e marcados pelo eurocentrismo. Portanto, o espaço escolar sempre foi uma experiência formativa e consentidora na perspectiva de reproduzir uma história unilateral com ideias elegíveis com maior ou menor importância, desconsiderando saberes, experiências, o contexto social e o território de pertencimento de quem o habita. Uma ação importante que propomos seria acerca dos espaços e a orientação dos educadores quanto à pintura dos símbolos gráficos, sejam os grafismos indígenas e adinkras como parte da característica arquitetônica da unidade. Pelo estudo dos símbolos gráficos adinkras, estampados nos tecidos de alguns povos da África, pretende-se valorizar as manifestações artísticas africanas contribuindo para uma reflexão sobre a história deste continente e a desmistificação de estereótipos relacionados a esses povos e o mesmo se aplica aos grafismos tão presentes nas manifestações indígenas. Além de reconhecer a importância das contribuições artísticas, objetiva-se oferecer às crianças a aprender a respeitar as diferentes culturas, conhecendo suas histórias e simbologia.
Outro aspecto a ser considerado é a representatividade simbólica (expressa no espaço escolar, nas canções, fantasias, filmes/vídeos, brinquedos/bonecos e livros paradidáticos) refletir sobre os recursos pedagógicos disponíveis e as aquisições que serão utilizadas como estratégias de aprendizagem a partir de pesquisas e descobertas desencadeadas pelo próprio grupo, para que assim as crianças possam por meio de sua manipulação, utilização, apreciação e diálogo transgredir e quebrar paradigmas racistas pré-concebidos. É urgente que se propicie o diálogo aberto durante as rodas entre as crianças garantindo o direito àqueles, que sejam praticantes de religião de matriz africana ou adeptos do animismo como os indígenas, se sintam representados, ouvidos e respeitados na sua singularidade, excluindo o silêncio, discursos e posicionamentos racistas e intolerantes dentro e fora da sala de aula.
Discorrendo acerca do repertório musical faz-se necessário oportunizar durante as ações cotidianas a oferta de canções e instrumentos que remetam às culturas indígena e africana uma vez que ao longo da história da colonização as contribuições indígenas e africanas foram subjugadas e até hoje são negadas e diminuídas nas manifestações culturais, estabelecendo mais uma vez uma ligação perversa com o que nos foi imposto durante o processo de escolarização. Isso não diminui ou nos isenta da responsabilidade enquanto professoras de sermos agentes de mudança preocupadas com relação à ocupação dos espaços, representatividade e a busca constante por referências que propiciem visibilidade ao que é proposto nos referenciais curriculares que regem a educação infantil no município de São Paulo.
Sobre a literatura disseminada dentro da escola é relevante a escolha da temática bem como da reflexão prévia dos textos e dos livros paradidáticos que farão parte do acervo a ser oferecido, uma vez que dentro da literatura existente não é difícil encontrar livros e textos que ainda trazem heranças do processo colonizador e escravocrata, que normalizam e legitimam o massacre, a escravidão e a inferiorização das pessoas indígenas e pretas.
Professoras, a escolha do livro não deve ser de forma inocente, é preciso considerar o discurso que ele traz com a seriedade que a sua seleção demanda. As histórias contadas devem ter uma consonância entre a escrita e suas imagens de modo a garantir a representatividade das crianças pretas e indígenas. Porque as histórias produzem ressonâncias individuais e coletivas compartilhadas no que se refere à sua história. As imagens revelam e alimentam o universo particular e suas imagens internas são refletidas no momento em que a criança percebe que há uma relação entre o que está sendo mostrado e sua realidade, construindo assim não só sua subjetividade como garantindo uma imagem positiva sobre si mesma.
Essa experiência reflete e revitaliza o processo de ensino-aprendizagem da criança e respeita a trajetória histórica de sua ancestralidade. Além de todos esses aspectos, evidenciar autores negros e indígenas e suas produções como verdadeiros protagonistas garante que quebremos a universalidade do predomínio daqueles que têm os privilégios de uma branquitude que insiste em contar uma história única sobre o viés da visão europeia, deixando assim espaço para quem tem de fato, o tão falado, lugar de fala. O território escolar necessita de uma reinvenção metodológica acerca do ensino-aprendizagem, e que rompam com os muros que ainda o cercam, bell hooks diz que: “o prazer de ensinar é um ato de resistência”.
Existe um efeito negativo que as crianças não são capazes de identificar e reagir diante tamanha força que se expressa na falta de representatividade perante aos vídeos/filmes que são reproduzidos na educação infantil. Efeito esse que se expressa na ausência de identificação com o que é reproduzido e a imagem corporal das crianças negras e indígenas. É preciso dar oportunidade para que essas crianças se sintam representadas de maneira a reconhecer a beleza e a importância de seus corpos e fenótipos. No entanto, como lugar privilegiado de diálogo, escuta, reflexão e convivência entre diferentes, a escola pode ocupar um papel de transformação e promoção a fim de contribuir para a compreensão, o respeito e reconhecimento da história e da culturas dos povos de origem indígena e africana. É preciso se reinventar, pesquisar e oportunizar a toda a comunidade escolar material audiovisual que de fato represente e traga informações que reconheçam a herança cultural dos povos africanos e indígenas que tanto contribuíram para a diversidade que hoje nos constitui. É preciso descaracterizar os super-heróis e as princesas que nos foram vendidos como a expressão de verdade, uma vez que eles não representam os grandes heróis, reis e rainhas, príncipes e princesas trazidos da África durante a diáspora ou mesmo dos indígenas que foram assassinados no período colonial. O mesmo cuidado e reflexão se aplica às fantasias, brinquedos e bonecas que constituem o acervo disponível para as crianças na escola. Se faz necessário uma nova produção de conhecimentos, de maneira responsável e fiel à realidade, não podemos negar a estas crianças o direito à esperança, devemos objetivar que esses meninos e meninas saibam se valorizar, e sobretudo reconheçam o valor inestimável de si mesmos.
A colonização europeia privilegiou a branquitude quando considerou os povos indígenas e africanos como subalternos, tentando silenciar e desaparecer com os inúmeros saberes e a riqueza inestimável de suas culturas. Essa perversidade ainda reverbera em nossa sociedade e caminha livremente dentro da escola em ações e falas tendenciosas carregadas de racismo, preconceito, intolerância e que perpetuam um sistema de significações coletivas e subjetivas. Precisamos de um pacto coletivo entre toda a comunidade escolar para que a escola não continue a ser reprodutora da discriminação das diferenças étnicas. Para que isso aconteça, o grupo precisa se manter firme no propósito de estudo profundo de pesquisadores e um esforço diário na análise de como e do que oferecemos como estratégia de ação para as nossas crianças. Vivemos num mundo que edificou suas verdades contadas por uma história única eurocêntrica, que descredibiliza a diversidade e é nosso papel ter consciência da nossa responsabilidade, enquanto agentes de transformação dessa realidade.
Repensar as ações dentro da escola implica em repensar o currículo, isso gera confronto, conflitos (internos e externos) e negociações que são fundamentais para que se produza algo novo. Os impactos serão sentidos a longo prazo e veremos que o estudo embasado em fundamentação teórica é imprescindível para que esse processo aconteça.
Enfrentar nossa resistência entre assumir nossa responsabilidade e quebrar os paradigmas que nos impede de assumir o nosso papel como professoras no processo de oportunizar uma educação antirracista, capaz de ressignificar e reconstruir essa história na perspectiva de construção de uma sociedade que respeita, reconhece e valoriza os povos indígena e diásporo. Romper com as barreiras do silêncio é um longo caminho a ser percorrido entre as estruturas do racismo, na resistência das pessoas brancas em não enxergar ainda o seu privilégio e não entender as ações afirmativas de reparação que existem como meio de restabelecer a igualdade na diferença do acesso. Os currículos escolares que temos atualmente são reflexos da história do país e baseiam-se na questão da dominação. Em todas as sociedades ocidentais que conhecemos, a educação é monopólio do Estado. Entendemos que se uma escola deseja mudar, precisa se rever constantemente, tem necessariamente que rever seu currículo escolar de acordo com a demanda da sociedade. É inadmissível ficar com currículos escolares do século passado que nada tem a ver com a dinâmica da sociedade, pois não é possível mais tolerar uma única visão do mundo, uma visão eurocêntrica que não contempla a diversidade, que não contempla as diferenças.
PROFESSORAS AUTORAS
ANA PAULA RIBEIRO
APARECIDA TARTARELLI STOIANOFF
ARELI SIMONE GIAZZI DA SILVA
CAREN ALESSANDRA CORREA DE QUEIROZ
CARLEN REGINA BISCHAIN
CELIA SILVA DE OLIVEIRA COSTA
CLARICE LEONEL GUERRA
CRISTINA JERONIMO UNGRIA
ELISABETE LEÃO DA COSTA
ELOA CRISTINA M. BETTINE
JANAINA HELENA FERREIRA UEHBE
LUCIA MARIA LEITE BORGES
MARIA CRISTINA PANCHAMEL GONSALES
MARLI NOCITI
NADIA ALVES DIAS DE QUADROS
NAYARA LOPES DELGADO
NEUSA AUGUSTA DE MORAES
NIDIA RUIZ ALFONSO DOUGLAS
PATRICIA HELENA DA ROCHA FELTRIN
PRISCILA SORRENTINO
REGINA LUCIA F. BRESSANE
ROSANGELA MILHIARDO FREDDI
SANDRA FARAH SIVIERI
SANDRA MIRANDA DE OLIVEIRA SILVA
SELMA AUGUSTO
SIMONE DE SOUZA PRADO BAPTISTA DA CONCEIÇÃO
SUZANA DE SOUSA SOARES